ROSTOS DE UM ENTRUDO PORTUGUÊS
PODENCE E LAZARIM
Os demónios andam à solta…
“As manifestações de carácter popular têm vindo a afirmar a identidade cultural graças à importância crescente da memória, da cultura e identidade do homem com origem longínqua, mas cada vez mais viva entre os homens. O roteiro das festas de mascarados tradicionais em Portugal é plural e a profecia cumpre-se na medida em que “desde os primórdios, onde houver homem, há máscara.”
CARETOS DE PODENCE
Entrudo Chocalheiro
Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO
“Os Caretos são história, são tradição, cultura, são a alma de um povo. São a alma de uma aldeia, são a alma de um concelho e de um país, são também a alma de Portugal.”
Presidente Marcelo Rebelo de Sousa
A Aldeia de Podence rima com… Entrudo Chocalheiro
É mesmo obrigatória uma visita a esta aldeia de fortes tradições que gerou os tradicionais Caretos de Podence, Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO, desde 2019.
Visitar a Aldeia de Podence, em Macedo de Cavaleiros, durante o Entrudo Chocalheiro, quando o diabo anda à solta pelas ruas, é uma experiência fantástica, pela folia única, colorida e contagiante.
Como é habitual nestas figuras, durante os dias dedicados ao Entrudo, os jovens solteiros da aldeia vestem o seu fato de cores garridas e uma máscara demoníaca, visitando as casas num ritual de convívio e andam pelas ruas a criar todo o tipo de desordem, urrando, gritando, rindo e dançando, ao som de grupos de gaiteiros e zés pereiras.
Exibindo um corpo de diabo, com uma vara na mão e uma máscara com o nariz saliente, o traje dos Caretos de Podence caracteriza-se pelo fato às riscas pintadas de vermelho, preto, amarelo, ou verde, com franjas compridas de lã. E depois, à cintura, uma alinhada coleção de chocalhos, os quais ouvimos sempre que, em grupo, os Caretos, quase todos solteiros, aceleram em direção às mulheres.
Os dias festivos são o domingo gordo e a terça-feira de Carnaval. No entanto, o ritual dos “casamentos” ou “contratos de casamento” realiza-se ao início da noite de sábado e só termina quando a sátira tiver “casado” todas as moças solteiras da terra. As Madamas ou Matrafonas são as raparigas que entram neste rito.
Não existe certeza sobre a origem deste Entrudo, mas os historiadores apontam para uma ligação ao ciclo da terra-mãe. As máscaras e os fatos berrantes dos caretos revelam isso mesmo. O regresso à cor e à vida, depois de vários meses em hibernação, a entrada na Primavera e a esperança de se obterem boas colheitas.
CARETOS DE LAZARIM
“As comunidades rurais possuem um conjunto de saberes e de práticas que pretendem preservar e transmitir às gerações futuras, como património cultural e identitário.
O Carnaval de Lazarim remete-nos para um contexto rural de formação cristã, e o seu ritual para uma pândega libertadora, onde rapazes e raparigas cumprem o seu papel de herdeiros de uma paródia burlesca.”
A Vila de Lazarim, no concelho de Lamego, Norte de Portugal, encontrou no Carnaval um tempo de excepção para afirmar a sua identidade cultural, recuperando os ritos, os símbolos e os textos associados às festas de Inverno.
Em Lazarim, três gerações de artesãos, com diferentes expressões artísticas, transfiguram um tronco de amieiro, árvore que nasce nas margens do rio Varosa, em figuras representativas da tradição local. Cada um destes homens regista simbolicamente nas suas máscaras, o seu universo cultural e o seu imaginário.
Os Caretos de Lazarim exibem através das suas máscaras representações de figuras históricas como bispos, reis e romanos, de figuras místicas como bruxas e diabos, de figuras grotescas, e ainda figuras de animais, como o burro, a corsa, o mocho e o porco.
Os Caretos completam a máscara com outros elementos de vestuário, como fatos confeccionados de palha, ou de barba de milho entrançado, capas vermelhas ou negras com debruados. Na mão, transportam quase sempre um objecto de uso agrícola, como uma enxada ou uma forquilha, havendo alguns que usam um cajado de nogueira, que nos remetem para o sistema simbólico do mundo rural.
Os grupos dos compadres e das comadres (os rapazes e as raparigas) entram em cena na terça-feira de Carnaval. A crítica social, que tem como mote a rivalidade entre homens e mulheres, é levada ao público num cortejo hilariante. Terminada a crítica segue-se a queima dos bonecos representativos de personagens de ambos os grupos.
Em Lazarim a imolação dos bonecos assinala o término do ritual da festa carnavalesca, seguindo-se-lhe o “banquete”, espaço de confraternização entre os membros da comunidade e os forasteiros, através da comensalidade. O rito de passagem está concluído, mas o processo de reinvenção da tradição inseriu novos elementos à festa, o concurso de máscaras. O concurso é organizado pela Casa do Povo para premiar e incentivar os artesãos de máscaras de madeira, e manter a continuidade e a tradição.
CENTRO INTERPRETATIVO DA MÁSCARA IBÉRICA
“Porque a vida é um teatro e o mundo o seu grande palco, a máscara vive associada à existência do homem. Apesar de globalmente a máscara ser sinónimo de carnaval, os rituais com máscaras, na ancestralidade, estavam ligadas ao culto do Rei do Sol, ao culto da fecundidade e à lei do eterno retorno.”
A pequena vila de Lazarim, encostada à serra do Montemuro, passou a integrar o roteiro da cultura tradicional da região do Douro com a inauguração do Centro Interpretativo da Máscara Ibérica (CIMI) um equipamento que nasceu com a ambição de ser um polo de investigação e uma referência europeia no estudo e valorização do património cultural que é a temática da Máscara.
Para saber mais sobre estas máscaras que povoam o Nordeste de Portugal, e os seus rituais, recomenda-se uma visita ao Centro Interpretativo da Máscara Ibérica (CIMI), onde estão expostas máscaras, trajes, adereços e objetos usados nas “Festas de Inverno” em Trás-os-Montes e Alto Douro e nas “Las Mascaradas de Invierno” da região de Zamora.
Espanha e Portugal partilham rituais muito próprios na celebração mais tradicional do Entrudo. Existem diversas formas de manifestação espalhadas principalmente pelo Nordeste Transmontano, Galiza e Astúrias, muitas delas ricas em tradições que se perdem no tempo. Numa celebração rica em história e simbolismo, o uso da máscara é o principal elemento deste ritual.
Planeado como espaço cultural, o Centro Interpretativo da Máscara Ibérica, assume a função de valorização de todos os rituais que usam máscara e traje, promovendo o seu património cultural através da pesquisa e investigação das suas origens.