“Toda a poesia – e a canção é uma poesia ajudada – reflecte o que a alma não tem.
Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste.O fado, porém, não é alegre nem triste.
É um episódio de intervalo.
Formou-o a alma portuguesa quando não existia e desejava tudo sem ter força para o desejar.As almas fortes atribuem tudo ao Destino; só os fracos confiam na vontade própria, porque ela não existe.
O fado é o cansaço da alma forte, o olhar de desprezo de Portugal ao Deus em que creu e também o abandonou.
No fado os Deuses regressam legítimos e longínquos.
É esse o segredo sentido da figura de El-Rei D.
Sebastião.”
Fernando Pessoa – 14-4-1929
Não adianta explicar o FADO. Quem tentou, perdeu-se em referências e datas contraditórias e não lhe encontrou o rasto. Há quem diga que nasceu dos cânticos mouros, entre as gentes que fundaram o bairro da Mouraria, em Lisboa, após a reconquista cristã. Outros acreditam que veio substituir a canção de gesta medieval, embora também se especule se não terá evoluído a partir da modinha, popular nos séculos XVIII e XIX, e resultado numa fusão com o lundu, de origem angolana.
Quer mesmo saber a origem do FADO? Para quê, se o mistério lhe fica tão bem? Oiça-o, de preferência no seu habitat, que é nas ruas dos bairros típicos lisboetas, e deixe-se perder com ele, em improvisos de guitarra. É assim que o encontra.
FADO é uma palavra que vem do latim e significa “destino”. Ter na raiz algo tão denso e grave como o destino marcou-lhe o carácter. É por isso que gosta tanto de cantar emoções fortes, amores e desamores, traições, ciúmes, vinganças e desgraças. Mas, ao contrário do que afirmam, o FADO nem sempre é triste. Tantas vezes atrevido e boémio, sabe como ninguém cantar a graça do seu povo: as varinas, os marinheiros, os vadios, as gaiatas, enfim, toda a movida de Lisboa. Embora de cariz popular, a canção de Lisboa também seduziu a aristocracia boémia, de tal forma que da história do fado faz parte o mito do envolvimento amoroso de um aristocrata, o Conde de Vimioso, com a Maria Severa (1820-1846), meretriz consagrada pelos seus dotes de cantadeira. Desta lenda versam muitos fados e até sobre ela se escreveu um romance.
A única certeza que existe em relação às origens do FADO é que nasceu no coração da cidade de Lisboa e, muito mais do que música, o FADO é uma expressão musical portuguesa, acompanhada pelos acordes melancólicos da tradicional guitarra portuguesa.
Resistindo ao estigma, à censura do regime, que o levou a assumir carácter interventivo, e a tantas outras vicissitudes, o FADO nunca deixou de abraçar quem interpreta, quem toca e quem escuta, e de revelar a singularidade portuguesa.
A internacionalização do FADO deve-se em grande parte ao carisma da AMÁLIA RODRIGUES, desde sempre, a fadista mais famosa no Mundo. No início dos anos 50, a fadista tornou a Canção de Lisboa como a mais prestigiada da altura, que a levou aos quatro cantos do Mundo.
Recentemente uma nova geração de fadistas tem contribuído para este género musical, dando uma nova vitalidade ao FADO e introduzindo-o num novo estilo de música pelo mundo inteiro.
Considerado como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO, em novembro de 2011, o FADO é a parte mais pura da expressão da “Alma de Lisboa”. Ainda hoje as influências do exterior e as várias culturas que chegam a Lisboa são sentidas no FADO, sendo por isso uma herança merecidamente compartilhada por todo o mundo. Esta consagração, faz com que o FADO se torne um exemplo de uma tradição secular de uma cidade, com bastante valor e ao mesmo tempo que se torne num símbolo de identidade de um povo.
Sempre que uma casa de fados apaga as luzes e alguém diz: “Silêncio, que se vai cantar o fado”, não é apenas um ritual que é cumprido. É como se fosse a própria Amália Rodrigues a fazê-lo, numa “estranha forma de vida” que é renovada e abraçada, como o património de uma Cidade e de um País que deu voz à Alma.
Vídeo – Candidatura do Fado
Museu do Fado
“O fado sente-se,
não se compreende,
nem se explica.”
Amália Rodrigues
Inteiramente consagrado ao universo da canção urbana de Lisboa, o Museu do Fado abriu as suas portas ao público a 25 de setembro de 1998 celebrando o valor excepcional do Fado como símbolo identificador da Cidade de Lisboa, o seu enraizamento profundo na tradição e história cultural do País, o seu papel na afirmação da identidade cultural e a sua importância como fonte de inspiração e de troca intercultural entre povos e comunidades.
A exposição permanente do Museu do Fado é um tributo ao Fado e aos seus cultores, divulgando o seu historial a partir da Lisboa oitocentista. Ao longo do percurso museológico, o visitante é convidado a conhecer a história do Fado desde a sua génese, até à actualidade, os principais percursos de mediatização da canção urbana, o teatro, a rádio, o cinema e a televisão, os ambientes das casas de fado, bem como o percurso biográfico e artístico de dezenas de personalidades do universo fadista. Em exposição o visitante encontra, a par de uma multiplicidade de objectos ligados a este género musical, o célebre quadro “O Fado” de José Malhoa, bem como outras obras de outros artistas portugueses.
Na sua arte e no seu talento criativo este património imaterial do Fado, continua hoje, como ontem, a construir-se e a recriar-se, para nosso encantamento, nos circuitos de um imenso museu sem paredes, que se abre de Lisboa ao Mundo.